IMPRESSÕES GERAIS


Uma palavra final sobre as comunidades indígenas que vivem no Parque Indígena do Xingu.

Os índios xinguanos são divididos geograficamente entre os do Alto e do Baixo Xingu. Cada etnia com a sua língua, cultura, tradições etc. Exceção feita aos Trumai, que não têm tronco linguístico conhecido. Todos, porém, vivem da economia de subsistência. Plantam pequenas roças de mandioca, milho, cará, amendoim, banana, pequis, frutas em geral e também arroz.

Cito, neste caso, a aldeia do Kiabieti Metuktire (do grupo Kaiapó, mais conhecidos como Txucarramãe), que colheu este ano 60 sacas de arroz em casca, mas não tem como vendê-las, já que não dispõem de transporte adequado para tal fim.

Subir daquela aldeia, no rio Xingu, de canoa por cerca de 45 Km até a balsa na BR-80, não é tarefa fácil além de ser muito dispendiosa, pois um litro de gasolina, naquela região, custava R$ 3,20.

Segundo o Tarepá, que é da etnia Juruna, “Txucarramãe” significa homem sem arco. Segundo ele, os Metuktires (Kaiapó) aprenderam a fazer arco e flecha com um menino Juruna, que eles roubaram.

Há uma outra história, que o Tarepá me contou, que merece ser destacada. Ele cria um garoto que foi enterrado vivo pela mãe ao nascer. Esse costume é muito comum entre todas as etnias. Segundo ele, sua mulher soube que uma das índias havia dado à luz a uma criança e a enterrado a seguir. Um dia depois, ouviu a criança chorar, mas não a desenterrou naquele momento. Voltou no dia seguinte e ouviu novamente a criança chorar, aí decidiu desenterrá-la.

Estive na aldeia do Tarepá e conheci o pequeno índio. Mais um sobrevivente de uma tradição indígena que pode parecer cruel num primeiro momento, mas como cuidar de uma criança de mãe solteira na tradição indígena onde o homem é o provedor de bens para a família?
Há relatos sobre a questão do infanticídio entre os índios de fazer os corações mais sensíveis ficarem abalados.

Além dessa agricultura primitiva, os índios vendem produtos de artesanato, mais acho que essa atividade rende pouco para eles. A ajuda da FUNAI, segundo todos caciques do Xingu, é de pequena monta. Embora haja muitas carências em termos de alimentação, saúde, transporte, comunicação, educação etc, pude observar que, em quase todas as aldeias que paramos, existem aparelhos televisão e rádio de comunicação, exceção feita aos Juruna que não têm rádio.

Há outra fonte de renda que é a cobrança na travessia da balsa na BR-80, controlada pelos Txucarramãe, que varia de R$ 20,00, para motos, a R$ 120,00, para caminhões de três eixos ou dezoito pneus, muito usados no transporte de bois naquela região.

Não sei dizer como esses recursos são apropriados, se ficam só para os Txucarramães ou são divididos entre todas as etnias. Afinal, fomos participar de uma expedição e não fazer perguntas indiscretas aos índios. Não era esse o nosso objetivo.

Todas as aldeias estão situadas às margens dos rios. Como descemos o Kuluene e depois ingressamos no Xingu, só visitamos algumas aldeias nesse nosso trajeto, mas existem muitas outras aldeias em outros rios que são formadores do Xingu ou seus afluentes. Kuluene, Batovi, Sete de Setembro e Ronuro são considerados formadores, e seus afluentes, sendo os mais destacados Suiá-missu, Auaiá-missu e Tautuari.

Para chegarmos no rio Kuluene, passamos por três aldeias kuikuro. O Jacalo é o cacique de uma delas. Ele é Clique na foto para ampliarfilho do cacique Narro, que consta como sendo o primeiro índio xinguano a aprender português. Numa dessas aldeias, a do Jairo, o cacique disse ao Sérgio que iria preparar um Quarup para ele.

Segundo Orlando Villas Bôas, os mais velhos entre os índios são os donos da história. Narro, da etnia Kuikuro, foi o primeiro a falar português no Xingu e serviu de tradutor quando a expedição Roncador-Xingu encontrou os Kalapalos, em 1946. Na foto, ele aparece ao lado de sua bisneta.

INFORMAÇÕES SOBRE O RIO XINGU

As nascentes do Xingu estão situadas em altitudes da ordem de 600m, na junção da Serra do Roncador com a Serra Formosa. Sua extensão total, pode ser avaliada em cerca de 2.045Km, sendo 1.815Km com a denominação Xingu.

A bacia hidrográfica do rio Xingu abrange uma área de 531.250 Km2 e apresenta uma forma alongada com cerca de 350Km de largura média e 1.450Km de comprimento. A rede de drenagem é quase paralela entre a maioria dos afluentes e corre no sentido da declividade geral da bacia.

Clique na foto para ampliarApesar de sua extensão, o rio Xingu ainda não se apresenta como apropriado para a navegação em larga escala. Entretanto, seu baixo curso possui um estirão contínuo navegável de 360Km. No curso superior, somente canoas podem navegar, em trechos relativamente extensos, porém, entre cachoeiras.

O baixo Xingu é o trecho compreendido entre Belo Monte e sua foz, na margem direita do Amazonas. Sua declividade é baixa, provavelmente semelhante à do Amazonas. É um trecho francamente navegável. O rio apresenta-se muito largo, quase em forma de estuário, estreitando-se somente na sua foz, onde tem cerca de 7Km de largura. A influência da maré se faz sentir em praticamente todo o trecho. Nas proximidades da foz, assim como a montante da Vila de Souzel, encontram-se numerosas ilhas, geralmente baixas e alagadiças, algumas delas aproveitadas para fins agrícolas ou como pastagens.

Em frente à cidade de Porto de Moz, situada na margem direita do rio Xingu, distante 60Km de sua foz, existe um canal natural chamado de Paraná do Aquiqui, que liga o Xingu ao Amazonas, com o ponto de penetração da altura da cidade de Almeirim, situada na margem, esquerda do Amazonas. A extensão deste canal é de 66Km, aproximadamente.

Em Diauarum, por exemplo, tem poço artesiano, Internet e escola bilíngue. Nas eleições municipais, lá funcionou uma seção eleitoral. Vi, na aldeia Juruna, que fica próxima de balsa na BR-80, propaganda eleitoral do então candidato a prefeito Betão.

O Tamarikô, índio Juruna, foi candidato a vereador pelo município de São José do Xingu, na coligação DEM, PMDB, PPS e PSB, a mesma do Betão, o prefeito eleito. Ficou como suplente, mas mesmo assim  obteve 85 (3,17%) votos, que a princípio pode parecer pouco, contudo representa uma boa votação num colégio eleitoral de 3.819 eleitores, com 2.680 votos válidos.

A cidade de São José do Xingu, que foi por nós utilizada para apoio da expedição, tem área de 13.142,6 Km quadrados, coordenadas 10º 46’ 16” S e 52º 44’ 39” W, está a 931 km de distância de Cuiabá e tem uma população estimada de 6.500 pessoas.
Eis um pequeno histórico da cidade:

O território do município de São José do Xingu foi movimentado e habitado por povos indígenas denominados xinguanos. Estes povos encontram-se confinados no Parque Nacional do Xingu, em área vizinha ao município. A ocupação com fins de colonização deu-se a partir da fixação da nova fronteira agrícola brasileira - o Estado de Mato Grosso. Os incentivos fiscais permitiram que novas áreas fossem povoadas, aumentando o contingente populacional estadual e criando novas unidades de colonização. As primeiras famílias a se estabeleceram na região e a formarem o núcleo de povoação que deu origem ao município vieram de outros Estados, especialmente do sul brasileiro, numa supremacia de mais de oitenta por cento.

A 19 de maio de 1974, chegaram as primeiras mudanças, nesta data comemora-se o dia de São José. A denominação do núcleo urbano emergente foi homenagem ao santo do dia e ao Parque Nacional do Xingu, vizinho da cidade. O efetivo povoamento intensificou-se a partir de 1976. A partir desta data verificou-se a chegada de inúmeras famílias de colonos. Fixaram residência e se iniciaram na atividade pecuária.

No período que permaneceu como distrito do município de Luciara, a povoação de São José do Xingu alcançou um grau de desenvolvimento que lhe proporcionou sua emancipação. O município foi criado através da Lei Estadual n.º 5.904, de 20 de dezembro de 1991, de autoria do deputado estadual Hermes de Abreu e sancionada pelo governador Jayme Campos.

Embora a cidade tenha crescido nos últimos anos, ela ainda carece de bancos, os serviços públicos são precários, embora tenha posto de saúde, não dispõe de ambulância, a biblioteca está em uma casa que tem goteiras, prestes a desabar, segundo a bibliotecária, escolas de péssima qualidade, não tem telefone celular e Internet é ainda discada.

Segundo várias pessoas com quem conversei, o prefeito que está no poder deixou a cidade completamente abandonada. A funcionária da biblioteca disse que ele, nos quatro anos de governo, não passou nem em frente da sua porta. Uma lástima, segundo ela.

Talvez seja essa a razão de o Betão, que disputou as eleições com o atual prefeito e outro candidato, tenha obtido 51% dos votos. Deu-lhes um capote. O prefeito eleito é um pequeno fazendeiro, do ponto de vista de Mato Grosso, porque aqui no Sudeste talvez fosse classificado como um grande latifundiário. As fazendas em Mato Grosso são de grande extensão territorial. A fazenda do Blairo Maggi, que fica próxima de Querência, dizem que tem mais de 300 mil hectares. 

O Parque Indígena do Xingu está circundado por várias cidades. Em sua margem esquerda estão: Peixoto de Azevedo, Colider, Marcelândia, Sinop, Sorriso, São José do Rio Claro, Feliz Natal e Gaúcha do Norte. Na margem direita temos: Canarana, Água Boa, Querência, Ribeirão Cascalheira, Porto Alegre do Norte, São José do Xingu e Confresa.

Em quase todas estas cidades, já moram muitos índios  xinguanos das  diversas etnias. Há um contraste muito grande entre o modo de vida dos índios e dos brancos. Os brancos têm renda, de um modo geral, e podem adquirir bens materiais com mais facilidades, enquanto que os índios têm recursos financeiros limitados, o que os leva a não poder comprar coisas que são de uso corrente dos brancos. É uma situação complicada que eu não saberia dar resposta a ela.

Apenas por mera curiosidade, observei que há entre os índios do Xingu uma diferença em termos de visual. Os do Alto Xingu usam cabelos curtos, raspados em forma de cuia, enquanto que os do Baixo Xingu, no caso os Jurunas, Kaiabis, Suiás e Metuktires (Txucarramães) usam longos cabelos. Outra curiosidade, cacique toda aldeia tem, pajé, por exemplo, não pude confirmar sua existência, a não ser que seja discreta e que só apareça em ocasiões especiais.

Clique na foto para ampliarO desmatamento hoje é uma realidade naquela região de Mato Grosso, salvo alguns pontos que ainda conservam Clique na foto para ampliarmata nativa. A marcha do desmatamento se dá em função de duas atividades econômicas rentáveis: plantação de soja e criação de bois. É um processo irreversível. Não há como evitá-lo levando-se em conta a legislação atual. O conflito entre índios e brancos na região, na minha opinião, tende a se agravar.

O Javari, cacique dos Kaiabis, disse em conversa com a gente que os brancos invadem as terras do Parque e, por isso mesmo, eles têm que manter uma constante vigilância. Embora o governo faça veementes discursos, a realidade é bem outra. A população daquelas áreas não tem outra alternativa no atual quadro em que vivemos.

Faço aqui uma indagação, que parece absurda, mas é a dura realidade. Como é possível proibir alguém de desmatar uma área que lhe foi vendida como propriedade privada?

Fica aqui o questionamento, embora eu seja veemente contra o desmatamento, seja ele sob qualquer pretexto. Já desmatamos muito, acho que além da conta, como dizem os mineiros.


Retornar para página anterior Inicial Galeria de Fotos 1